Para que não sejas
um martirizado escravo
do tempo,
tu deves intoxicar-te,
deves intoxicar-te,
e nunca parar para descansar,
com vinho, poesia ou virtude,
como escolhas.
- Baudelaire

sexta-feira, 22 de dezembro de 2023

Um Natal Muy Nobre

Pezinhos de Coentrada na ceia de Natal é uma tradição esquecida na história. Introduzidas na corte portuguesa pela família Bragança, sempre foi presença nos manjares Natalícios da realeza, copiados não só pelos restantes membros da nobreza portuguesa, como também extendeu a sua popularidade a outras cortes europeias. Por exemplo, durante vários anos, Carlos II de Inglaterra, influenciado por Catariana de Bragança encomendava vários pés de Yorkshires e coentros de portugual para a noite consoada.Alías, tornou-se de tal forma moda em Inglaterra, que a exportação de coentros portugueses quase equivalia ao vinho exportado (em termos monetários). Apesar de ter sido tradição durante vários séculos, a acabou por cair no esquecimento após a revolução de Outubro de 1910. Na primeira república, foi probído o consumo de pezinhos de coentrada no Natal por ser um símbolo da monarquia.

quinta-feira, 8 de setembro de 2011

Felicidade e Prazer

Devemos estudar os meios de alcançar a felicidade, pois, quando a temos, possuímos tudo e, quando não a temos, fazemos tudo por alcançá-la. Respeita, portanto, e aplica os princípios que continuadamente te inculquei, convencendo-te de que eles são os elementos necessários para bem viver. Pensa primeiro que o deus é um ser imortal e feliz, como o indica a noção comum de divindade, e não lhe atribuas jamais carácter algum oposto à sua imortalidade e à sua beatitude. Habitua-te, em segundo lugar, a pensar que a morte nada é, pois o bem e o mal só existem na sensação. De onde se segue que um conhecimento exacto do facto de a morte nada ser nos permite fruir esta vida mortal, poupando-nos o acréscimo de uma ideia de duração eterna e a pena da imortalidade. Porque não teme a vida quem compreende que não há nada de temível no facto de se não viver mais. É, portanto, tolo quem declara ter medo da morte, não porque seja temível quando chega, mas porque é temível esperar por ela.
É tolice afligirmo-nos com a espera da morte, visto ser ela uma coisa que não faz mal, uma vez chegada. Por conseguinte, o mais pavoroso de todos os males, a morte, nada significa para nós, pois enquanto vivemos a morte não existe. E quando a morte veio, já não existimos nós. A morte não existe, portanto, nem para os vivos nem para os mortos, pois para uns ela não é, e pois os outros não são mais.
(...) Deve, em terceiro lugar, compreender-se que, de entre os desejos, uns são naturais e os outros vãos e que, de entre os naturais, uns são necessários e os outros somente naturais. Finalmente, de entre os desejos necessários, uns são necessários à felicidade, outros à tranquilidade do corpo e outros à própria vida. Uma teoria verídica dos desejos ajustará os desejos e a aversão à saúde do corpo e à ataraxia da alma, pois é esse o escopo de uma vida feliz, e todas as nossas acções têm por fim evitar ao mesmo tempo o sofrimento e a inquietação.

Quando o conseguimos, todas as tempestades da alma se desfazem, não tendo já o ser vivo de dirigir-se para alguma coisa que não possui, nem buscar outra coisa que possa completar a felicidade da alma e do corpo. Porque nós buscamos o prazer somente quando a sua ausência causa sofrimento. Quando não sofremos, não sabemos que fazer do prazer. E por isso dizemos que o prazer é o começo e o fim de uma vida venturosa. O prazer é, na verdade, considerado por nós como o primeiro dos bens naturais, é ele que nos leva a aceitar ou a rejeitar as coisas, a ele vamos parar, tomando a sensibilidade como critério do bem. Ora, pois que o prazer é o primeiro dos bens naturais, segue-se que não aceitamos o primeiro prazer que vem, mas em certos casos desdenhamos numerosos prazeres quando têm por efeito um tormento maior. Por outro lado, há numerosos sofrimentos que reputamos preferíveis aos prazeres, quando nos trazem um maior prazer. Todo o prazer, na medida em que se conforma com a nossa natureza, é portanto um bem, mas nem todo o prazer é entretanto necessariamente apetecível. Do mesmo modo, se toda a dor é um mal, nem toda é necessariamente de evitar. Daqui procede que é por uma sábia consideração das vantagens e dissabores que traz que cada prazer deve ser apreciado. Na verdade, em certos casos, tratamos o bem como um mal e, noutros, o mal como um bem.
Depender apenas de si mesmo é, em nossa opinião, grande bem, mas não se segue, por isso, que devamos sempre contentar-nos com pouco. Simplesmente, quando a abundância nos falece, devemos ser capazes de contentar-nos com pouco, pois estamos persuadidos de que fruem melhor a riqueza aqueles que menos carecem dela e que tudo que é natural se alcança facilmente, enquanto é difícil obter o que o não é. As iguarias mais simples dão tanto prazer como a mesa mais ricamente servida, quando está ausente o tormento que a carência determina, e o pão e a água causam o mais vivo prazer quando os tomamos após longa privação. O hábito da vida simples e modesta é portanto boa maneira de cuidar da saúde e torna, além disso, o homem corajoso para suportar as tarefas que deve necessariamente realizar na vida. Permite-lhe ainda, eventualmente, apreciar melhor a vida opulenta e endurece-o contra os reveses da fortuna. Por conseguinte, quando dizemos que o prazer é o soberano bem, não falamos dos prazeres dos debochados, nem dos gozos sensuais, como pretendem alguns ignorantes que nos combatem e desfiguram o nosso pensamento. Falamos da ausência de sofrimento físico e da ausência da perturbação moral.
Porque não são nem as bebidas e os banquetes contínuos, nem o prazer do trato com as mulheres, nem o júbilo que dão o peixe e a carne com que se enchem as mesas sumptuosas que ocasionam uma vida feliz, mas hábitos racionais e sóbrios, uma razão buscando incessantemente causas legítimas de escolha ou de aversão e rejeitando as opiniões susceptíveis de trazerem à alma a maior perturbação.
O princípio de tudo isto e, ao mesmo tempo, o maior bem é, portanto, a prudência. Devemos reputá-la superior à própria filosofia, pois que ela é a fonte de todas as virtudes que nos ensinam que não se alcança a vida feliz sem a prudência, a honestidade e a justiça e que a prudência, a honestidade e a justiça não podem obter-se sem o prazer.
As virtudes, efectivamente, provêm de uma vida feliz, a qual, por sua vez, é inseparável das virtudes.

Devaneio...

Todos nascemos em circunstâncias que nos seriam favoráveis se nunca as abandonássemos. A natureza quis que para vivermos felizes não precisássemos de grandes equipamentos: cada indivíduo pode tornar-se feliz. Os bens externos são de importância trivial e sem grande influência em qualquer direcção: a prosperidade não eleva o sábio, nem a adversidade pode abatê-lo, porque trabalhou sem cessar a juntar tudo quando pôde dentro de si e a procurar a sua alegria no seu íntimo. E então? Estou a considerar-me sábio? De modo nenhum, porque me proclamaria o mais feliz de todos, sendo quase igual a Deus. Até agora, fazendo o suficiente para aliviar todas as minhas dores, não fiz mais que entregar-me nas mãos dos sábios e, sendo demasiado fraco para defender-me sozinho, procurei refúgio no campo daqueles que facilmente defendem o seu corpo e os seus bens. Estes são os que me aconselharam a permanecer constantemente de pé, como sentinela, a prever todos os ataque e investidas da fortuna, muito antes da sua manifestação. Ela cai pesadamente sobre aqueles a quem apanha desprevenidos: aquele que está vigilante, facilmente a vence. Assim, o inimigo, ao chegar, derruba aqueles que encontra desprevenidos, mas os que se preparam antes da guerra para a batalha eminente, dispostos e ordenados, aguentam sem dificuldade o primeiro choque, que é o mais violento. Nunca confiei na fortuna, nem mesmo quando parecia estar em paz comigo. Todos os favores com que me bafejou, riquezas, honras, glórias, releguei-os para um local onde ela poderia recuperá-los sem me perturbar. Estabelecei uma grande distância entre essas coisas e eu, razão pela qual mas arrebatou sem mas arrancar das mãos, Só é abalado pelos golpes da fortuna quem primeiro se deixou enganar pelos seus favores. Os que amam os favores como se fossem seus para sempre, que querem sempre ser admirados por conta deles, são abatidos e afligidos quando os prazeres falsos e transitórios abandonam a sua alma oca e frívola, ignorantes dos prazeres estáveis. Mas quem não incha com a prosperidade não fica consternado com os reveses, quando a adversidade chega. A sua força já foi testada e ele mantém um espírito inquebrantável perante qualquer situação: porque, no meio da prosperidade, testou a sua força contra a adversidade. Assim, nunca acreditei que houvesse algum bem genuíno nas coisas que todos louvam; mais ainda, tenho-as considerado vazias e adormecidas com cores vistosas e enganadoras sem conteúdo correspondente à sua aparência. Naquilo a que chamam males, não encontro nada tão terrível e espantoso com que me ameaça a opinião do vulgo. A própria palavra “exílio” entra agora nos ouvidos com mais aspereza através de uma espécie de convicção e crença popular e atinge o ouvinte como algo de sombrio e detestável. Esse é o veredicto do povo, que se deixa levar pela primeira impressão das coisas, mas os sábios no seu todo rejeitam os decretos populares…

quinta-feira, 16 de setembro de 2010

30 anos depois, Nelson é feliz!

Estava preparando o meu habitual pequeno-almoço, quando a minha mãe se aproximou, dizendo que tinha algo importante para me dizer. Parecia não me querer olhar nos olhos e falava de forma hesitante, de tal modo que gaguejava.
- Nelson, meu filho, há quinze anos que guardo um segredo, um segredo que me tem avassalado o coração e estrangulado a alma…. Tentei abortar-te, mas tu sobreviveste!
Naqueles tempos a vida era duríssima e tive vender o corpo. Como tinha os dentes tortos, sexo oral estava fora de questão, logo os meus clientes procuravam outros tipos de prazer. Com o pouco tempo que tinha disponível, tinha de maximizar os lucros. Só de me lembrar a quantidade de homens hediondos e sujos que solicitavam os meus serviços… - disse com desgosto.
- Sabes quem é o meu pai? – Perguntei abruptamente e com repulsão.
- Na altura, trabalhava nas docas e eram muitos os ébrios marinheiros de passagem. Também era requisitado com frequência pelo antigo cangalheiro do Cemitério de Benfica. Tinha estranhos fetiches, mas deixava sempre uma boa gorjeta. – À medida que prenunciava tais palavras, sua cabeça levantava e passou a olhar-me nos olhos.
Experimentei uma nova sensação, que me cobria o corpo em negras chamas. Seria ódio, o irmão bastardo do amor, esse sentimento que achava incondicional entre mãe e filho.
- Era uma manhã fria quando me apercebi que estava realmente grávida. Há vários meses que vinha mentido a mim própria sobre tal possibilidade. Estava decidida em expurgar esse mal que estava dentro de mim… - Afirmou, suspirando.
- Ramon, um espanhol calvo e bigode que tinha fugido à guerra civil, era dono de um talho que vendia carne de origem duvidosa e paralelamente, fazia abortos ilegais.
Esperei 30min para que me atendesse. Ouvia gritos agonizantes por detrás da porta. “Que tortura se avizinhava nessa câmara” interroguei-me…
Finalmente entrei e o cheiro a pútrido fez-me vomitar... Avistei dois fetos mutilados e abandonados ao acaso num chão de madeira, rodeados de outras peças de carne dos mais variados animais. O carniceiro limpou a bancada com um trapo velho e andrajoso e pediu-me que me deitasse. Pegou numa tenaz e num cutelo ferrugento, deu-me uma garrafa de uma bebida espirituosa não identificável mas com alto teor de álcool e pediu que bebesse dois copos de enfiada. A bebida, por momentos, deixou-me anestesiada e num estado de quase inconsciência. Retomei os sentidos passado alguns minutos, acordada por um choro inexorável. Olhei em redor e vi-te, um bebé do sexo masculino, coberto em sangue, pendurado de cabeça para baixo, com o açougueiro sem escrúpulos segurando-te apenas por uma perna.
“ - Não o consegui matar à primeira, o sacana é resistente. Mas não há problema, dentro ou fora da barriga, matar é matar”- Disse com um sorriso nos lábios.
-Atirou-te para cima de uma bancada engordura com desprezo. Deslizaste e caíste no chão. Os teus berros eram ensurdecedores.
“ - Digo-lhe que este degenerado poderia dar um bom trabalhador. Nunca um prematuro sobreviveu nas minhas mãos tanto tempo” – disse ao voltar a colocar-te na bancada.
- Quando se preparava para dar-te o golpe final, gritei no derradeiro momento que não te matasse, pois poderias ser um bom investimento para o futuro. Paguei-lhe metade do prometido, uma vez que não tinha conseguido efectuar o aborto à primeira. Encontrei umas folhas de jornal velhas, embrulhei e levei-te para casa.

Sempre invejei a relação que as outras crianças tinham com as suas progenitoras, mas nunca pensei que fosse tão vil o desprezo que esta megera tinha por mim.
Insurgi-me e uma violenta discussão gerou-se. Por fim, peguei nas minhas coisas para nunca mais voltar a este profano lar.
- És um inútil! Nem sequer morrer sabes! – Clamou audivelmente!

- Ah! Tivesse eu gerado um ninho de serpentes,
Em vez de amamentar este bastardo sem graça!
Maldita noite dos prazeres mais ardentes
Em que meu ventre concebeu minha desgraça!

E foram essas as últimas palavras que ouvi da mulher que me tentou matar…

sábado, 8 de maio de 2010

Uma pitada de concentrado de mercúrio

Em volto de uma fatia de pão trincada, barrada com manteiga rançosa, Urbano e Segismundo, dois velhos de tenra idade, debatiam filosofia. Moscardos verdes de tamanho significativo traçavam voos elípticos, sem destino aparente, poluindo o ar com o seu barbárico zumbido. No fim da discussão, os dois velhos fazem um pacto de sangue, em que se um deles ficasse careca, o outro, num acto de solidariedade, teria de usar peruca.

Entretanto afastam-se, pois o tão antecipado ballet iria começar.

Um prelúdio melódico narra a relação do homem com a terra e o porquê de sempre parecer acabar quando é enterrado nela. O pano sobe sobre um enorme e primitivo ermo, pouco diferente de certas regiões da Lapónia. Homens e mulheres chegam e sentam-se em grupos separados e começam logo a dançar, mas não fazem a mínima ideia do porque disso e não tardam a sentar-se outra vez. Agora surge um jovem na Primavera da vida que dança um hino ao fogo. Subitamente descobre-se que está a arder e, depois de o escorraçarem, escapa-se sub-repticiamente. A cena está agora na obscuridade e o Homem desafia a Natureza; um combate colérico em que a Natureza é mordida na coxa, o que vai ocasionar que nos próximos semestres a temperatura nunca ultrapasse os dez graus.

Começa a cena, e a Primavera e ainda não chegou, embora se esteja nos finais de Agosto e ninguém tenha a certeza da altura em que se deve adiantar os relógios. Os anciões da tribo reúnem-se e decidem propiciar a Natureza através do sacrifício de uma virgem. Escolhe-se uma donzela. Concebem-lhe três horas para se apresentar nos arredores da aldeia, dizendo-lhe que se encontrarão lá para participar num banquete de cozido à portuguesa. Quando, à noite, a rapariga aparece pergunta logo onde estão os enchidos do Fundão. Os velhos mandam-na então dançar até à morte. Implora pateticamente, alegando não ser boa bailarina. Os aldeões insistem, e entretanto sobe num crescendo inexorável que faz a rapariga dançar tão freneticamente que os seus dentes de ouro lhe saltam da boca e vão parar a um campo de rugby coberto em girassóis. Todos se regozijam, mas é prematuro, já que a Primavera não aparece.

Assistido isso, os dois velhos concluem - vida não passa de um quadro surrealista pintado com antíteses!

terça-feira, 23 de fevereiro de 2010

Nos meus olhos, toda a crueldade humana é reflectida,
como na caixa de Pandora em que toda a desgraça está contida,
assim é o meu negro e pútrido coração,
palpitando de ódio, vingança e maldição.

Quero o ocaso, a escuridão, a tenebrosidade,
como uma criatura das trevas, não conheço amabilidade,
para teu bem, afasta-te de mim doce criatura,
por razão, fui ostracizado para esta cova, esta sepultura.

Habituado à penumbra, a luz da tua alma ofusca-me.
Não me conheces! Não me vais mudar!
Tua insistência perturba-me!
Essas promessas repletas de fé e amor são em vão,
pois infelicidade é o meu fado, não tenho salvação...

Tentação

De longe, repleto de paixão te contemplo,
Imponentemente sentada num trono de marfim,
Rodeada de escravos e servos no teu templo,
Homens fracos que por um sorriso, aceitam o seu fim,

Óh sublime deusa do submundo,
cuja beleza subjuga a de Afrodíte,
aos teus pés, quantos homens já deixaste moribundo,
apenas para saciares o teu voraz apetite,

Por ti, quantos varões declararam guerra,
para conquistar o mais belo tesouro que Deus deitou à Terra!
E tu deliciando-te por todo o sangue derramado,
por ti, ser cruel e desalmado,

Óh vil deusa cuja o nome rima com amor,
mas o qual não ouso pronunciar,
anseio por ti mas tenho temor,
de ser mais uma vítima do teu olhar glaciar!