Devemos estudar os meios de alcançar a felicidade, pois, quando a temos, possuímos tudo e, quando não a temos, fazemos tudo por alcançá-la. Respeita, portanto, e aplica os princípios que continuadamente te inculquei, convencendo-te de que eles são os elementos necessários para bem viver. Pensa primeiro que o deus é um ser imortal e feliz, como o indica a noção comum de divindade, e não lhe atribuas jamais carácter algum oposto à sua imortalidade e à sua beatitude. Habitua-te, em segundo lugar, a pensar que a morte nada é, pois o bem e o mal só existem na sensação. De onde se segue que um conhecimento exacto do facto de a morte nada ser nos permite fruir esta vida mortal, poupando-nos o acréscimo de uma ideia de duração eterna e a pena da imortalidade. Porque não teme a vida quem compreende que não há nada de temível no facto de se não viver mais. É, portanto, tolo quem declara ter medo da morte, não porque seja temível quando chega, mas porque é temível esperar por ela.
É tolice afligirmo-nos com a espera da morte, visto ser ela uma coisa que não faz mal, uma vez chegada. Por conseguinte, o mais pavoroso de todos os males, a morte, nada significa para nós, pois enquanto vivemos a morte não existe. E quando a morte veio, já não existimos nós. A morte não existe, portanto, nem para os vivos nem para os mortos, pois para uns ela não é, e pois os outros não são mais.
(...) Deve, em terceiro lugar, compreender-se que, de entre os desejos, uns são naturais e os outros vãos e que, de entre os naturais, uns são necessários e os outros somente naturais. Finalmente, de entre os desejos necessários, uns são necessários à felicidade, outros à tranquilidade do corpo e outros à própria vida. Uma teoria verídica dos desejos ajustará os desejos e a aversão à saúde do corpo e à ataraxia da alma, pois é esse o escopo de uma vida feliz, e todas as nossas acções têm por fim evitar ao mesmo tempo o sofrimento e a inquietação.
Quando o conseguimos, todas as tempestades da alma se desfazem, não tendo já o ser vivo de dirigir-se para alguma coisa que não possui, nem buscar outra coisa que possa completar a felicidade da alma e do corpo. Porque nós buscamos o prazer somente quando a sua ausência causa sofrimento. Quando não sofremos, não sabemos que fazer do prazer. E por isso dizemos que o prazer é o começo e o fim de uma vida venturosa. O prazer é, na verdade, considerado por nós como o primeiro dos bens naturais, é ele que nos leva a aceitar ou a rejeitar as coisas, a ele vamos parar, tomando a sensibilidade como critério do bem. Ora, pois que o prazer é o primeiro dos bens naturais, segue-se que não aceitamos o primeiro prazer que vem, mas em certos casos desdenhamos numerosos prazeres quando têm por efeito um tormento maior. Por outro lado, há numerosos sofrimentos que reputamos preferíveis aos prazeres, quando nos trazem um maior prazer. Todo o prazer, na medida em que se conforma com a nossa natureza, é portanto um bem, mas nem todo o prazer é entretanto necessariamente apetecível. Do mesmo modo, se toda a dor é um mal, nem toda é necessariamente de evitar. Daqui procede que é por uma sábia consideração das vantagens e dissabores que traz que cada prazer deve ser apreciado. Na verdade, em certos casos, tratamos o bem como um mal e, noutros, o mal como um bem.
Depender apenas de si mesmo é, em nossa opinião, grande bem, mas não se segue, por isso, que devamos sempre contentar-nos com pouco. Simplesmente, quando a abundância nos falece, devemos ser capazes de contentar-nos com pouco, pois estamos persuadidos de que fruem melhor a riqueza aqueles que menos carecem dela e que tudo que é natural se alcança facilmente, enquanto é difícil obter o que o não é. As iguarias mais simples dão tanto prazer como a mesa mais ricamente servida, quando está ausente o tormento que a carência determina, e o pão e a água causam o mais vivo prazer quando os tomamos após longa privação. O hábito da vida simples e modesta é portanto boa maneira de cuidar da saúde e torna, além disso, o homem corajoso para suportar as tarefas que deve necessariamente realizar na vida. Permite-lhe ainda, eventualmente, apreciar melhor a vida opulenta e endurece-o contra os reveses da fortuna. Por conseguinte, quando dizemos que o prazer é o soberano bem, não falamos dos prazeres dos debochados, nem dos gozos sensuais, como pretendem alguns ignorantes que nos combatem e desfiguram o nosso pensamento. Falamos da ausência de sofrimento físico e da ausência da perturbação moral.
Porque não são nem as bebidas e os banquetes contínuos, nem o prazer do trato com as mulheres, nem o júbilo que dão o peixe e a carne com que se enchem as mesas sumptuosas que ocasionam uma vida feliz, mas hábitos racionais e sóbrios, uma razão buscando incessantemente causas legítimas de escolha ou de aversão e rejeitando as opiniões susceptíveis de trazerem à alma a maior perturbação.
O princípio de tudo isto e, ao mesmo tempo, o maior bem é, portanto, a prudência. Devemos reputá-la superior à própria filosofia, pois que ela é a fonte de todas as virtudes que nos ensinam que não se alcança a vida feliz sem a prudência, a honestidade e a justiça e que a prudência, a honestidade e a justiça não podem obter-se sem o prazer.
As virtudes, efectivamente, provêm de uma vida feliz, a qual, por sua vez, é inseparável das virtudes.
quinta-feira, 8 de setembro de 2011
Devaneio...
Todos nascemos em circunstâncias que nos seriam favoráveis se nunca as abandonássemos. A natureza quis que para vivermos felizes não precisássemos de grandes equipamentos: cada indivíduo pode tornar-se feliz. Os bens externos são de importância trivial e sem grande influência em qualquer direcção: a prosperidade não eleva o sábio, nem a adversidade pode abatê-lo, porque trabalhou sem cessar a juntar tudo quando pôde dentro de si e a procurar a sua alegria no seu íntimo. E então? Estou a considerar-me sábio? De modo nenhum, porque me proclamaria o mais feliz de todos, sendo quase igual a Deus. Até agora, fazendo o suficiente para aliviar todas as minhas dores, não fiz mais que entregar-me nas mãos dos sábios e, sendo demasiado fraco para defender-me sozinho, procurei refúgio no campo daqueles que facilmente defendem o seu corpo e os seus bens. Estes são os que me aconselharam a permanecer constantemente de pé, como sentinela, a prever todos os ataque e investidas da fortuna, muito antes da sua manifestação. Ela cai pesadamente sobre aqueles a quem apanha desprevenidos: aquele que está vigilante, facilmente a vence. Assim, o inimigo, ao chegar, derruba aqueles que encontra desprevenidos, mas os que se preparam antes da guerra para a batalha eminente, dispostos e ordenados, aguentam sem dificuldade o primeiro choque, que é o mais violento. Nunca confiei na fortuna, nem mesmo quando parecia estar em paz comigo. Todos os favores com que me bafejou, riquezas, honras, glórias, releguei-os para um local onde ela poderia recuperá-los sem me perturbar. Estabelecei uma grande distância entre essas coisas e eu, razão pela qual mas arrebatou sem mas arrancar das mãos, Só é abalado pelos golpes da fortuna quem primeiro se deixou enganar pelos seus favores. Os que amam os favores como se fossem seus para sempre, que querem sempre ser admirados por conta deles, são abatidos e afligidos quando os prazeres falsos e transitórios abandonam a sua alma oca e frívola, ignorantes dos prazeres estáveis. Mas quem não incha com a prosperidade não fica consternado com os reveses, quando a adversidade chega. A sua força já foi testada e ele mantém um espírito inquebrantável perante qualquer situação: porque, no meio da prosperidade, testou a sua força contra a adversidade. Assim, nunca acreditei que houvesse algum bem genuíno nas coisas que todos louvam; mais ainda, tenho-as considerado vazias e adormecidas com cores vistosas e enganadoras sem conteúdo correspondente à sua aparência. Naquilo a que chamam males, não encontro nada tão terrível e espantoso com que me ameaça a opinião do vulgo. A própria palavra “exílio” entra agora nos ouvidos com mais aspereza através de uma espécie de convicção e crença popular e atinge o ouvinte como algo de sombrio e detestável. Esse é o veredicto do povo, que se deixa levar pela primeira impressão das coisas, mas os sábios no seu todo rejeitam os decretos populares…
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